Michele Soares nasceu em 2000 e estuda Letras na Universidade de São Paulo.
Quanto ao resto, está tentando.
espólios
elegia erótica
I.
desconfio de que és assim mesmo
essa inabilidade com o vivido
sempre alheio à silhueta das rosas
expostas e pornográficas rosas
eretas para o nada
em noite grávida de vazio.
II.
o pintor risca sua linha seca de mar
as gaivotas ululam
parturientes duma nova aurora
amanheço
e sei que me esqueci
continuamente
nos seus Desejos.
III.
antes da veia vergar-se
e antes do sangue tornar-se vermelho
anúncio que é tarde ―
tornei-me safo
tornei-me miragem
tornei-me pecado
eva-pandora e maçã
quebrei! como quebram todas.
mais um pouquinho e com alguma sorte
desapareço.
ana amélia
as rosas vivas do Ibira me consolam o amor
que é pura gordura alocada nos vasos do coração
[me mata antes o coração ou o naufrágio?]
de braços dados com a minha dúvida
permaneço na orla da imagem
inescapável e inexprimível
de repente milenar e presumível
repetitiva, mas profundamente pontual:
dois amantes sem se beijar
sentam num banco cinza entre as plantas
e redescobrem nos olhos do outro e do um
sob o mar de rugas e idade
o Universo.
Foto de Luísa Machado.